Processo penal - (ESPECIAL):
Na
doutrina, o debate gira em torno do princípio conhecido como da “verdade real”.
E a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) retrata esses
confrontos.
Um
voto que define bem o alcance do conceito é o do ministro Felix Fischer, atual
vice-presidente do Tribunal, no Habeas Corpus 155.149. Nele consta a seguinte
citação do jurista Jorge Figueiredo Dias: “A verdade material que se busca em
processo penal não é o conhecimento ou apreensão absoluta de um acontecimento,
que todos sabem escapar à capacidade do conhecimento humano.”
Segundo
o autor, essa verdade real deve ser lida como uma verdade subtraída das
influências da acusação e da defesa. Também não se trata de uma verdade
“absoluta” ou “ontológica”, mas “há de ser antes de tudo uma verdade judicial,
prática e, sobretudo, não uma verdade obtida a todo preço, mas processualmente
válida”.
A
decisão da esfera penal até mesmo prevalece sobre as ações cíveis ou
administrativas. Apesar da independência dos campos jurídicos, quando se trata
de autoria ou materialidade, a decisão penal deve ser observada pelos outros
juízos. Diz o Código Civil, nessa linha: “Art. 935. A responsabilidade civil é
independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do
fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem
decididas no juízo criminal.”
Assim
decidiu o STJ no REsp 686.486: “A decisão na esfera criminal somente gera
influência na jurisdição cível, impedindo a rediscussão do tema, quando tratar
de aspectos comuns às duas jurisdições, ou seja, quando tratar da materialidade
do fato ou da autoria.”
O
Código de Processo Penal repete a norma, invertendo a disposição: “Art. 66. Não
obstante a sentença absolutória no juízo criminal, a ação civil poderá ser
proposta quando não tiver sido, categoricamente, reconhecida a inexistência
material do fato.”
O
PRINCÍPIO DA VERDADE REAL sustenta
ainda outro, o pas de nulitté sans grief, segundo o qual não há nulidade sem
prejuízo. É o que afirma o ministro Humberto Martins no Recurso Especial
1.201.317: “Não se declarará nulo nenhum ato processual quando este não causar
prejuízo, nem houver influído na decisão da causa ou na apuração da verdade
real.”
Caso Mércia:
O
princípio foi discutido também no caso da morte de Mércia Nakashima. A defesa
do réu pretendia que o processo corresse em Nazaré Paulista (SP), onde ela
teria morrido por afogamento. Isso porque o Código de Processo Penal (CPP)
dispõe que a competência é do juízo do local onde o crime se consuma. Porém,
o juiz de Guarulhos (SP) afirmou que a regra deveria ser afastada no caso
concreto, em vista da dificuldade que o deslocamento de competência traria para
a apuração da verdade real: das 16 testemunhas de defesa, 13 seriam ouvidas em
Guarulhos; o caso teria causado comoção social nessa cidade; e, de modo geral,
a produção de provas era mais favorecida pela manutenção do processo nessa
comarca.
O
Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) seguiu na mesma linha. Para os
desembargadores paulistas, a alteração da competência enfraqueceria a colheita
de provas: “A comarca de Guarulhos é o local onde há maior facilidade para se
apurar os elementos probatórios necessários à busca da verdade real”, afirmaram
no acórdão.
A
decisão foi mantida pelo STJ no HC 196.458: “Ora, deve-se ter em mente que o
motivo que levou o legislador a estabelecer como competente o local da
consumação do delito foi, certamente, o de facilitar a apuração dos fatos e a
produção de provas, bem como o de garantir que o processo possa atingir a sua
finalidade primordial, qual seja, a busca da verdade real”, afirma o voto do
relator, ministro Sebastião Reis Júnior.
“Dessa
forma, seguindo o princípio da busca da verdade real, tem-se que se torna mais
segura a colheita de provas no juízo de Guarulhos”, acrescentou. “O desenrolar
da ação penal neste juízo, sem dúvidas, melhor atenderá às finalidades do
processo e melhor alcançará a verdade real”, concluiu o relator.
Daniel Dantas:
No
julgamento do habeas corpus em favor do banqueiro Daniel Dantas, o
desembargador Adilson Macabu também fez referência ao princípio da verdade
real. Para o relator do caso, a busca da verdade real deve ser feita com
observação da legalidade dos métodos empregados, respeitando-se o devido
processo legal (HC 149250).
Forma sem fim:
A
ministra Nancy Andrighi, em voto no REsp 331.550, manifestou-se pela
prevalência da busca da verdade real sobre o formalismo processual: “Antes do
compromisso com a lei, o magistrado tem um compromisso com a justiça e com o
alcance da função social do processo, para que este não se torne um instrumento
de restrita observância da forma, distanciando-se da necessária busca pela
verdade real.”
Registro civil:
Assim,
o princípio se aplica aos registros civis. É ele que garante a alteração dos
nomes dos genitores nos registros de nascimento dos filhos após o divórcio. “O
princípio da verdade real norteia o registro público e tem por finalidade a
segurança jurídica. Por isso que necessita espelhar a verdade existente e atual
e não apenas aquela que passou”, afirma voto do ministro Luis Felipe Salomão
(REsp 1.123.141).
É
da ministra Nancy a afirmação de que “não pode prevalecer à verdade fictícia
quando maculada pela verdade real e incontestável, calcada em prova de robusta
certeza, como o é o exame genético pelo método DNA”. O caso tratava de
tentativa de alterar o registro de paternidade procedido pelo marido que fora
induzido a erro pela esposa (REsp 878.954).
Extraído de: Portal boletim jurídico.
Autor deste blog: Dr. Adailson Alves.
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